Também nesta data - Santos: Fulgêncio, Ernesto, Modesto, Bernardo e
Taciana
No ano 260, a
Igreja de Cristo passou por uma época de perseguições atrocíssimas. O furor do
inferno parecia desencadeado, e insaciável era o ódio contra os discípulos de
Jesus. A menor suspeita era bastante para os cristãos se verem
vexados da maneira a mais cruel. As casas eram arrombadas, os bens confiscados e
as pobres vítimas desapiedadamente arrastadas ao tribunal. Cada dia era
testemunha de novas barbaridades. Na Mauritânia os cristãos eram forçados a
assistir ao culto pagão, queimar incenso aos deuses, conduzir em triunfo pelas
ruas das cidades os animais destinados aos holocaustos e tomar parte nas
bacanais dissolutas dos idólatras.

Eram estes os meios
com que se esperava fazer os cristãos apostatarem.
Arcádio, vendo
estas abominações se realizarem em Cesaréia, sua cidade paterna, fugiu para não
se expor ao perigo de fraquear e retirou-se para um lugar ermo, onde serviu a
Deus em orações e obras de penitência.
Como, porém, fosse
cidadão de destaque, essa fuga não podia ficar desaparecida. Notou-se-lhe a
falta nos sacrifícios e o prefeito mandou soldados, que o trouxessem. Achando
fechada a casa de Arcádio, arrombaram a porta, julgando talvez surpreendê-lo em
algum ato religioso, que o comprometesse. Em vez de Arcádio, encontraram-lhe um
parente, que por acaso lá se achava. Este procurou todas as razões para
justificar a ausência de Arcádio. Em vão. Os emissários prenderam-no e
levaram-no à presença do prefeito. Este deu ordem para que ficasse detido na
prisão até que se resolvesse a denunciar a paradeiro do parente.
Quando o Santo
soube do ocorrido, voltou livremente para a cidade e apresentou-se ao juiz.
“Eis-me aqui – disse-lhe – se me procuras a mim, põe em liberdade o inocente. Cá
estou, para te responder ao que de mim desejas saber”. Respondeu o juiz: “De bom
grado desculpo a tua fuga e garanto-te que para o futuro nenhum vexame sofrerás,
contanto que, embora tarde, ainda sacrifiques aos deuses”. Arcádio: “Que idéia
fazes de mim, propondo-me tal coisa? Conheces os cristãos? Pensas que intimidas
os servos do Senhor com a expectativa de perder esta vida fugitiva, ou com
ameaças de morte? Sabemos que está escrito: Cristo é minha vida e a morte meu
lucro. Vai, excogita tormentos que ultrapassem todas as dores, exercita teu
cérebro na invenção de todas as maldades possíveis: jamais nos separarás do Deus
verdadeiro”.
Chegou ao auge o
furor do juiz, que em nada mais pensava senão ditar para Arcádio uma sentença de
morte de todo extraordinária. Toda a sorte de martírios, até então aplicados,
pareciam-lhe suaves para este provocador blasfemo. Finalmente rompeu o silêncio,
dando a seguinte ordem: “Que Arcádio tenha uma morte lenta e cruel. Cortai-lhe
todas as articulações, todas as juntas do corpo, começando pelos dedos. Não vos
precipiteis no vosso trabalho, tendes muito tempo; assim ele compreenderá sua
miséria; compreenderá o que significa abandonar os deuses de seus pais e adorar
uma divindade desconhecida”.
Os algozes
meteram-se logo à obra e executaram ao pé da letra a horrível sentença. O mártir
de vez em quando rezava: “Ó meu Deus, ensinai-me vossa sabedoria!” Quando os
carrascos nada mais tinham para cortar, restando apenas o tronco banhado em
sangue, o herói, vendo todos os membros cortados, exclamou: “Felizes de vós,
bem-aventurados membros, que tivestes a honra de servirdes ao vosso Deus! Nunca
me fostes tão caros, quando unidos ao meu corpo, como agora. Regozijo-me de
ver-vos separados de mim! Assim convém que por algum tempo
estejamos separados, para depois podermos ir ao encontro de nosso rei na eterna
glória. Em vez de mortais, me sereis restituídos como membros imortais, agora
sois membros de Cristo, como sei que sou de Cristo e nisto vejo realizado meu
único e ardente desejo”. Dirigindo-se aos circunstantes, disse:
“Pouco vale serdes testemunhas de um espetáculo tão pouco comum. Facilmente o
suporta aquele que acredita na imortalidade futura. Abandonai os vossos deuses
que em nada vos podem auxiliar. Reconhecei a meu Deus, que me fortalece. Morrer
por ele é viver; sofrer por ele é gozar. A sua caridade não tem fim; sua honra
cada vez mais aumenta. Meu sofrimento faz com que eu viva eternamente com ele
sem jamais dele me separar”.
Ditas estas
palavras, entregou o espírito a Deus. Os próprios pagãos ficaram admirados da
coragem e da paciência deste glorioso Mártir. Os cristãos louvaram a Deus, que
dá força aos que o amam e lhe servem com toda a dedicação. Juntaram as relíquias
do mártir e guardaram-nas com todo respeito.
Reflexões:
1.
Como é impressionante a leitura do martírio de santo Arcádio! É possível
que um cristão persevere na fé, no meio de tantos tormentos? Ele mesmo explica
esta constância imperturbável: “quem acredita na vida eterna, sofre isto com
facilidade”. É esta fé que nos deve sustentar também a nós, em todas as
dificuldades da vida. O apego às coisas deste mundo faz com que tão facilmente
nos esquecemos da glória, da recompensa, que nos espera, depois desta mísera
existência terrena. A dor, o sofrimento, por maior que sejam, passam, a
recompensa, porém, é eterna. A nossa fé em nada difere da de santo Arcádio. A fé
que o fortaleceu, também a nós sustentará e força nos dará para levar a cruz que
Deus nos impôs. Uma fé que dá ao homem coragem de sofrer o mais cruel martírio,
deve também em nós produzir o efeito de sofrer o que é muito menos: as agruras
da vida.
2.
O céu padece força. Para ganhar o céu, santo Arcádio não mediu
sacrifícios e fez deles o maior, o da própria vida. Que fazes para merecer o
céu? Contas com o céu como com uma coisa garantida e te esqueces tão facilmente
da palavra de Cristo: “Procurai primeiro o reino dos céus e sua justiça”. Uma
coisa é necessária, tudo o mais pouca importância merece. Não é verdade, porém,
que teus cuidados são quase exclusivamente dedicados às coisas deste mundo, como
se fossem o único necessário? Vê como os santos mártires trabalharam e sofreram,
para entrar no céu! E pensas que brincando poderás merecer a eterna felicidade?
Se das energias que empregas por amor das ninharias desta vida, só a metade se
dirigisse às coisas eternas, em melhores condições estaria a salvação de tua
alma. Uma coisa só tem valor perene: a virtude. Tudo o mais é passageiro.
* * * * * * * * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário