São Vicente de Paulo, um dos maiores amigos da humanidade, sacerdote
zelosíssimo, homem apostólico como poucos, santo, entre os santos, um dos
maiores, nasceu em Ranguines, perto de Dax, na Gasconha (França), em 1576. De
condição humilde, os pais eram gente piedosa e virtuosa. Proprietários de uma
pequena herdade, viviam do trabalho. Educaram cristãmente seis filhos, 4 homens
e duas mulheres, obrigando-os ao trabalho no campo. Em Vicente, bem cedo
descobriram os pais um bom coração e qualidades excelentes de espírito.
A ocupação predileta do
menino era vigiar o gado, nas épocas do ano em que este era levado às
pastagens. De preferência, levava o gado a um lugar no fundo do mato, onde
havia uma capela de Nossa Senhora. Ali fazia muita oração e cantava em honra
da Rainha do céu. As flores mais belas que encontrava, depositava-as sobre o
altar de Maria Santíssima e com um carinho todo particular, enfeitava a humilde
capelinha. Já nesta idade, revelava princípios de caridade, guardando sempre
um bocado da refeição para os pobres. O pai, observando com satisfação os belos
dotes do filho, quis que ele estudasse. Em quatro anos, Vicente tinha feito
tantos progressos nas ciências, que pôde ser professor. Ensinando aos outros,
ganhava o bastante para poder continuar os estudos nos cursos
superiores, sem com isto exigir sacrifícios do pai. Seguiu os cursos teológicos
em Saragoça e Toulouse e, em 23 de setembro de 1600, foi ordenado sacerdote.
Deus, porém, quis
proporcionar-lhe ocasião de aperfeiçoar-se nas virtudes de perfeito cristão,
que são a mansidão, a paciência e a caridade. Numa viagem em 1605, que
fazia, de Marselha a Narbonne, caiu em poder de piratas tunísios, que o
venderam como escravo a diversos senhores em Tunis. Com grande conformidade, o
santo aceitou esta provação e humildemente se sujeitou aos pesados trabalhos,
que se lhe impunham. O que mais o entristecia, eram os diversos estratagemas
que os patrões empregavam, para levá-lo a apostasia. O último deles, a quem
prestou serviços de escravo, era apóstata, que tinha três mulheres. Uma delas,
movida pela curiosidade, acompanhava Vicente, quando este se dirigia ao trabalho
no campo. Muitas perguntas lhe dirigia sobre a religião cristã, e pedia-lhe
que cantasse alguns cânticos cristãos. Vicente lembrava-se da palavra da
Sagrada Escritura: "Como hei de cantar em terra estrangeira?" e cantava então o
salmo, que diz: "Nas margens dos rios de Babilônia assentávamos, chorando a
nossa terra", ou a "Salve Rainha". A mulher muçulmana ouvia tudo com muita
atenção, e cada vez mais se enchia de admiração pelas virtudes do escravo
cristão. Tornou-se advogada de Vicente junto ao patrão, a quem repreendeu
energicamente por ter abandonado uma religião tão perfeita, como a cristã. O
apóstata caiu em si e combinou com Vicente a volta para Paris. Em 1607 fizeram
a travessia e chegaram a Aigues Mortes.
No ano seguinte vemos
Vicente em Roma. Os grandes e antigos santuários muito o impressionaram e,
regressando a Paris, tinha a resolução firme de imitar o exemplo de virtude
dos primeiros cristãos. Em Paris, se dedicou por alguns anos ao serviço
dos doentes no hospital. Aconteceu que lá caísse sobre ele a grave suspeita de
ter praticado um furto. A única resposta que Vicente dava às acusações
caluniosas era: "Deus sabe tudo". Só depois de seis anos foi descoberto o
verdadeiro culpado, ou para melhor dizer, o ladrão que, não podendo já suportar
os remorsos de consciência, fez a declaração do crime.
Pouco depois, Vicente
conheceu o venerável Berulle, fundador da Congregação do Oratório, e os dois
ligaram-se em estreita amizade, para mais eficazmente poderem trabalhar pelo
bem da humanidade. Durante algum espaço de tempo, Vicente administrou a
Paróquia de Clichi, onde Trabalhou com grande proveito para as almas, obediente
à ordem dos superiores, aceitou o cargo de educador dos filhos do conde de
Gondi-Ivigny. Este gênero de ocupação dava-lhe tempo bastante para se dedicar à
cura d'almas, e foi aí que Vicente revelou grandes aptidões para missionário. A
condessa de Ivigny, senhora de grandes virtudes, deu o maior apoio aos trabalhos
apostólicos de Vicente, que em seguida passou a pregar missões aos encarcerados
e aos condenados às galés. O rei Luís XIII nomeou Vicente intendente das
galeras francesas e esmoler real. Três anos ficou o santo homem em Paris,
ocupando este cargo, quando o zelo pelas almas o levou a Marselha, onde havia
muitos daqueles infelizes, condenados às galés. Vicente procurou-os e semeou
consolo e conforto nas almas daquela desventurada gente, cuja triste sorte o
comovia até às lágrimas. Entre os algemados havia um, de porte nobre e fidalgo,
que se entregava a uma tristeza, que tocava as raias do desespero. Vicente
interessou-se muito em particular por aquele homem e conseguiu dele a
revelação de sua triste história. Cúmplice, se bem que quase forçado, de
uma fraude, fôra condenado às galés, sabendo mulher e filhos entregues à
miséria. Vicente, que até então soubera muito bem disfarçar sua personalidade,
ofereceu-se às autoridades em lugar do infeliz e conseguiu-lhe a libertação. A
mansidão, a caridade e paciência de Vicente no meio dos sentenciados, gente
de péssima espécie, chamou atenção. Como os seus em Paris lhe ignorassem o
paradeiro, foram-lhe ao encalço, descobriram-no em Marselha e trataram de
libertá-lo. Do tempo de prisão, restou-lhe uma última úlcera no pé, causada
pelas grilhetas.
Para combater a
ignorância religiosa e o indiferentismo, pregou muitas missões nas cidades e no
campo. Sacerdotes do clero regular que o ajudavam nesta tarefa,
associaram-se-lhe na Congregação da Missão, fundada em 1624, e com ele como
seu superior, fixaram residência no antigo leprosário São Lázaro, de onde a
Congregação recebeu a denominação de "Lazaristas". Naquela casa, Vicente
dirigiu inúmeros retiros espirituais para todos os estados.
De grande resultado
foram os exercícios em preparação às sacras ordens e as conferências
sacerdotais nas terças-feiras, nas quais se formaram belíssimas vocações dos
melhores bispos da França.
Obra de grande alcance
se revelou a fundação da Confraria da Caridade, organização caritativa para
ambos os sexos, hoje mais conhecida sob o nome de Conferências de São Vicente.
Desta confraria, qual flor maravilhosa, se desenvolveu a Congregação das
Filhas da Caridade, à qual deu por superiora uma senhora de grande virtude, que
goza das honras dos altares: Santa Luísa de Marillac. Pela fundação dessas
conferências e das suas casas, tiveram certa centralização as obras de caridade
e beneficência aos pobres, aos enfermos, às crianças, à mocidade feminina
periclitada, aos cegos, aos loucos, etc. Em todas estas obras, Vicente
recebeu e deu muita animação na qualidade de membro da Companhia do SS.
Sacramento. Como membro do conselho real em coisas eclesiásticas, grande
influência exercia na nomeação de bispos e distribuição de benefícios. Atrás de
uma aparência exterior, simples e fraca, de uma fisionomia humilde, sempre
bondosa e sorridente, escondia-se uma inteligência esclarecida, um caráter
corajoso e forte, um talento eminentemente prático e organizador, um coração
grande, ardoroso e firme na fé.
Em 1693 esta
congregação teve a aprovação do Papa Urbano VIII. Os sacerdotes pertencentes
a essa congregação, fazem os três votos simples monásticos, da pobreza,
castidade e obediência, obrigando-se a trabalhar na própria santificação, na
conversão dos pecadores e na formação do clero. São Vicente muito se empenhou
pela organização de retiros espirituais para sacerdotes e leigos, e nesse
empenho teve forte apoio do Papa Alexandre VII.
É admirável que um
homem como São Vicente, destituído completamente de bens materiais, pudesse
fazer tanto bem aos necessitados. Quando a província de Lorena, devastada pela
guerra oferecia um aspecto desolador, São Vicente fez-se mendigo, angariando
esmolas e donativos em benefício das vítimas da grande catástrofe, as quais
socorreu com uma vultosa quantia em dinheiro.
Querido e amado por
todos, era visto como um anjo do céu. São Francisco de Sales, votava-lhe tanta
estima e confiança, que o nomeou Superior da Ordem da Visitação que, havia
pouco, fundara. Ainda outras comunidades religiosas, se lhe confiaram à
direção.
No meio de tantas
ocupações, teve tempo ainda para tratar da sua própria alma. Fossem quais
fossem as ocupações, o coração dele estava sempre unido a Deus. Nas maiores
contrariedades, conservava sempre calma e tranqüilidade de espírito. Em todos
os fatos da vida, São Vicente reconhecia os planos da Divina Providência.
Entregava-se-lhe confiadamente e, outra coisa não procurava, senão a maior
glória de Deus.
Senhor absoluto dos
movimentos do coração, não se deixava desanimar ou inquietar pelas
vicissitudes da vida. Humilhações, longe de o entristecerem, firmavam-no cada
vez mais na humildade. A humildade era a virtude que mais recomendava aos
filhos espirituais. Uma das regras principais que estabeleceu sobre a
humildade, foi esta: "O religioso não fale dos seus próprios merecimentos e
evite chamar a atenção dos outros para a sua pessoa".
São Vicente alcançou a
idade de 85 anos. Embora bastante enfraquecido e alquebrado, levantava-se às 4
horas, celebrava a Missa e dedicava três horas à oração. O pensamento da
morte era-lhe familiar. Todos os dias rezava as orações da Igreja pelos
moribundos. A morte encontrou-o, pois, ótimamente preparado. Morreu aos 27
de setembro de 1660, sendo -lhe o corpo sepultado na igreja de São Lázaro (ou
capela dos Lazaristas), enquanto seu coração se conserva também incorrupto no
convento das Irmãs da Caridade em Paris. Grandes e numerosos milagres foram-lhe
observados no túmulo. A sua canonização realizou-se em 1737 pelo Papa Clemente
XII.
Reflexões:
Maior benefício São Vicente não podia dispensar aos cristãos,
do que sacudí-los da letargia da morte, em que se achavam submersos. Como um
segundo São João Batista, abria-lhes os olhos sobre o estado de pecado em que
se achavam e, semelhante ao grande Precursor de Jesus Cristo, lembrava-lhes a
necessidade de fazer obras de penitência. É um erro muito grande supor que ao
céu, possa razoavelmente aspirar, quem vive sempre entre a virtude e o vício,
hoje, praticando aquela e amanhã, se entregando a este. Em outras palavras, no
caminho para o céu, não se acha quem hoje é cristão e pagão amanhã. Que dizer
daqueles, que trilham constantemente o caminho do pecado, sem se incomodar com
os abismos que, ameaçadores, se abrem para todos os lados? As paixões
desordenadas são os guias falsos, que levam o homem à loucura, à cegueira, à
impiedade. O homem que abandona a Deus, embora seja um portento de sabedoria,
cai de erro em erro, comete os maiores desatinos, porque fecha os olhos àquela
Luz que veio para todos.
Outra característica importantíssima em São Vicente era o seu
grande amor ao próximo, que fazia-o achar mil modos de socorrer o pobre, o
necessitado. Como nos tornamos cruéis, diante de uma sociedade que nos induz
à insensibilidade. Já existem até placas de sinalização, dizendo que não
devemos dar esmolas aos pobres. É a caridade se resfriando, conforme prescrito
nas Sagradas Escrituras. Nós, católicos, devemos repelir todo tipo de
propaganda ou slogan deste tipo, que não visa outro fim senão destruir a
caridade cristã . Não devemos permitir que nos tornemos insensíveis ao
sofrimento, à indigência do nosso irmão. "Se alguém, tiver bens de fortuna,
ensina São João, e vendo o irmão na miséria, fechar o coração diante da
necessidade do mesmo, será possível que nele fique a caridade de Deus?
É nós, quantas ocasiões a vida não nos ofereceu para
fazermos caridade! Quantas vezes a graça de Deus não nos impeliu para dar uma
esmola, visitar um pobre doente, socorrer famílias em necessidade, consolar
viúvas e órfãos! Não nos escusemos, dizendo: Não tenho nada com isso; que se
arranjem; que trabalhem; por quê não fizeram economia como eu? Não é essa a
linguagem do cristão! Espelhemo-nos nos belos exemplos deixados por São Vicente
de Paulo.
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